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Acadêmico: José Goldemberg "Os desastres ambientais de Mariana e Brumadinho colocaram na ordem do dia, com alta prioridade, o problema do licenciamento ambiental. Isto significa uma séria inversão de prioridades do Governo Federal."
Os desastres ambientais de Mariana e Brumadinho colocaram na ordem do dia, com alta prioridade, o problema do licenciamento ambiental. Isto significa uma séria inversão de prioridades do Governo Federal. A reorganização administrativa promovida em janeiro levou à extinção e relocação de várias áreas ligadas a questões ambientais o que indicava uma visão desenvolvimentista em que o licenciamento ambiental parece ser um obstáculo ao desenvolvimento. Esta era explicitamente a visão do governo militar em 1972 por ocasião da primeira Conferência Internacional sobre Meio Ambiente em Estocolmo que levou à criação de Ministérios de Meio Ambiente (ou órgãos equivalentes) na maioria dos países do mundo. A visão do governo na época era a de “desenvolver primeiro” e se preocupar depois com as consequências sociais e ambientais decorrentes. Apesar disso, o Professor Paulo Nogueira Neto da Universidade de São Paulo conseguiu convencer o Presidente Médici a criar em 1973 a Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA) no Ministério do Interior à frente da qual permaneceu até 1985 e onde conseguiu introduzir toda a legislação e órgãos administrativos da área ambiental no país. A criação do SEMA se deveu mais ao prestigio pessoal de Paulo Nogueira Neto, integrante de tradicional família paulista e sua reputação científica, do que uma compreensão clara da necessidade do governo militar de conciliar o desenvolvimento com a proteção ambiental. Ele era visto com reservas por grupos interessados na expansão da ocupação da Amazônia, mas com seu perfil não-confrontacional conseguiu introduzir no país, legislação ambiental moderna copiada de países da Europa e Estados Unidos. O melhor exemplo é o da criação da CETESB (Companhia Estadual de Tecnologia e Saneamento Ambiental) em São Paulo. O sucesso em resolver o problema ambiental de Cubatão no Governo Montoro (1986 a1989) deu à CETESB estatura e prestigio para enfrentar outros desafios. Isto não ocorreu, contudo, em muitos outros Estados e certamente não no Governo Federal onde órgãos como IBAMA frequentemente não tiveram apoio para colocar em prática a excelente legislação criada por Paulo Nogueira Neto. Estamos pagando hoje o preço disso com os desastres de Mariana e Brumadinho e o governo Bolsonaro não ajudou em nada até agora, a resolver os problemas reais do setor ao reduzir o “status” de Ministério de Meio Ambiente (que até cogitou em extinguir) e a tolerar entrevistas e declarações de membros do governo desqualificando a defesa do meio ambiente como inspirada por agentes internacionais e de modo geral “xiita” nas suas reivindicações. A realidade é outra e esta é uma boa hora de recolocar o problema nos termos corretos. A legislação atual tem basicamente dois instrumentos para forçar o cumprimento das normas ambientais adequadas: multas e interdições. A aplicação de multas se revelou insuficiente como o próprio Presidente Bolsonaro tem declarado porque a judicialização dos processos tornou-a inoperante. O único instrumento eficaz é o poder das agências ambientais de interditar empreendimentos. Foi o uso dela que permitiu à CETESB “limpar” Cubatão há 40 anos atrás. Sucede que a decisão de interditar é suscetível a influências políticas: se os órgãos ambientais não tiveram respaldo e apoio ativo dos prefeitos (nos Municípios), governadores (nos Estados) e Presidente da República (na área federal) ela não é eficaz. Exemplo na área federal é dado pela redução dramática do desmatamento na Amazônia conseguida pela Ministra Marina Silva entre 2005 e 2010 que contou com o apoio entusiástico de setores importantes da sociedade o que intimidou os promotores do desmatamento. Algo semelhante ocorreu no Governo Collor em 1991 quando a ação da Policia Federal e monitoramento do desmatamento feito pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais que foi tornado público levaram a uma redução do desmatamento que recomeçou a subir no Governo Fernando Henrique. Em ambos os casos foi a firmeza e a coragem do Governo Federal que apoiou os técnicos da área ambiental a cumprir suas tarefas. Não foi preciso criar novas leis mas decidir cumpri-las. Esta é uma situação parecida com a operação “lava jato” e o papel do juiz Sergio Moro. A legislação anticorrupção com “delação premiada” e outros dispositivos legais já existiam, mas foi a coragem do juiz em aplica-las que fez toda a diferença. Isto não significa que a legislação ambiental não pode ser aperfeiçoada e simplificada sem perder o rigor sobretudo definindo melhor as características especificas dos empreendimentos. Licenciar uma pequena central hidroelétrica numa fazenda no interior não precisa ter a complexidade de licenciamento de uma grande hidroelétrica. Para evitar novos desastres como ocorreu em Mariana e Brumadinho o Governo Federal precisa demonstrar claramente que vai aplicar as leis vigentes “doa a quem doer”. Só assim os técnicos e engenheiros responsáveis pelos projetos e pela fiscalização ambiental se sentirão respaldados em propor a interdição de projetos inadequados e não conceder novas licenças sem a permissão de medidas protetoras da população. Licenciar uma barragem como Brumadinho permitindo que abaixo dela fosse instalada uma pousada e um refeitório da Vale toca as raias do absurdo na sua irresponsabilidade e poderia ter sido evitado por uma simples medida administrativa. Não é possível, como querem alguns, resolver os problemas da pobreza no país mantendo a natureza intocada, mas é possível fazer um licenciamento ambiental mais rigoroso e ágil e que proteja a população sem impedir o desenvolvimento. *Ex-Ministro do Meio Ambiente e ex-Secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Publicado no Jornal O Estado de São Paulo em 18 de fevereiro de 2019. voltar |
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