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Acadêmico: Júlio Medaglia "Mente inquieta, que queria açambarcar as coisas do mundo em sua obra, não só contava na estruturação de suas ideias com os valores musicais herdados de sua origem, como com toda a movimentação social, política e estética de seu tempo."
O século XX, século das globalizações, atingiu em cheio também os conceitos musicais. Com o mundo inteiro em casa, ao simples toque de uma tecla de computador, ficou difícil prestigiar valores nascidos ou preservados regionalmente. Um dos grandes conflitos artísticos do século XX foi o “vertical”, digamos assim, aquele que questionava as características das novas tendências e sua inserção na mainstream da história. Foi tão conflitante essa questão que, depois da primeira Grande Guerra, os autores resolveram retrair suas fúrias revolucionarias partindo, até mesmo, para um neo-classicismo para repensar as ideias. A outra crise era, digamos, “horizontal”. Ou seja. A do relacionamento dos criadores com seus contemporâneos, já que nesse período os relacionamentos internacionais corriam a mil, com o mundo se transformando numa aldeia, como dizia Marshal McLuhan. Curiosamente, uma linguagem extremamente artificial oriunda do racionalismo germânico, o dodecafonismo, chegou no segundo pós-guerra a unificar em torno de si toda uma geração de autores. Você podia ser alemão (Stockhausen), austríaco (Schönberg, Berg, Webern), italiano (Luigi Nono, Bruno Maderna, Luciano Berio), japonês (Toshiro Mayusumi), belga (Pousseur), húngaro (Ligeti), Grego (Xenakis), argentino (Juan Carlos Paz), francês (Pierre Boulez, Olivier Messiaen), americano (Milton Babbitt, Gunther Schuller), polonês (Penderecki) e até russo, como foi o caso de Stravinsky, que no fim da vida também aderiu à linguagem, que a ordem era comprar uma lupa e uma pinça e ir colocando notinha por notinha no papel como se estivesse criando um abstrato mosaico sonoro. No Brasil, com a chegada de Koellreutter, surgiu uma geração de dodecafonistas que, num dado momento, acreditava fervorosamente que, estar “em dia” com o modernismo ou com a “vanguarda” de seu tempo, era escrever com séries de doze sons. Uma das figuras mais expressivas dessa geração brasileira, com a qual tive contato bastante próximo e permanente, foi o amazonense Claudio Santoro, lembrado e homenageado neste ano que se inicia pelo centenário de seu nascimento. Mente inquieta, que queria açambarcar as coisas do mundo em sua obra, não só contava na estruturação de suas ideias com os valores musicais herdados de sua origem, como com toda a movimentação social, política e estética de seu tempo. Com isso nasceu o grande conflito de sua postura cultural. Como abdicar do rico manancial cultural-musical do Brasil e partir para uma música absolutamente abstrata e isenta de qualquer conceito tradicional, de qualquer simetria, de qualquer relação com a cultura espontânea regional, dos maneirismos da prática instrumental do Ocidente, das inquietações sócio-politicas brasileiras e universais etc, etc. ? Mas foi exatamente aqui é que residiam as principais características de sua personalidade e seu talento. Diferentemente daqueles que achavam que por ter nascido num país rico em matéria de cultura espontânea, deveriam permanecer fieis a elas e só a elas; diferente também daqueles que achavam que compor com os 12 sons é estar falando a única linguagem universal, Claudio fez de sua obra um caldeirão de experimentos da maior variedade, riqueza e consistência. Todas as reviravoltas que ocorreram na ebulição musical do século passado ele as recebia e as provocava. E isso ia, do frio e calculista dodecafonismo ao bumba-meu-boi. Captando e trabalhando com as aventuras do som no século XX, Claudio construiu uma obra importante e interessantíssima e isso não só pela variedade dos experimentos, mas por seu profundo sentido musical e beleza. Por isso ele podia lançar mão, quando lhe deu na telha, do folclore de uma canção de ninar que ouvia em sua infância, como da ousadíssima engenharia sonora schönbergiana, pois tudo no seu trabalho soava boa música. Nada parecia experimento. Claudio não fez média com a cultura popular, mas não se tornou escravo das tendências mais avançadas de seu tempo. Por essa razão, se sua música tinha por vezes a “cor local” brasileira, não sofria dos males do provincianismo. E quando compunha com os experimentos mais recentes das vanguardas, eles não pareciam “maneiristas” ou “artificiais”. Chegar à uma solução estética dessa natureza, é coisa de gênio. Júlio Medaglia Publicado na revista Concerto de Dezembro/18. voltar |
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