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Acadêmico: Ignácio de Loyola Brandão "A cada momento, cada encontro, em cada esquina, bar, no metrô, na entrada da Mostra de Cinema."
Não suporto mais a pergunta: o que vai acontecer? A cada momento, cada encontro, em cada esquina, bar, no metrô, na entrada da Mostra de Cinema. O que vai acontecer? Se digo que não sei, a pessoa enraivece: como não sabe? O senhor é escritor é jornalista é cronista e devia saber. Se o senhor não sabe, quem vai saber? Agora, tenho dois problemas a resolver. Saber o que vai acontecer e saber quem sabe o que vai acontecer. Respondo que não sei o que vai acontecer e também não sei quem sabe. Isso enfurece meu interlocutor: então de que adiantou viver tanto, de que adiantou estudar, de que adiantou escrever tantos livros, de que adiantou viajar por todo o país, de que adiantou conviver cm tantas pessoa sábias e experientes e estudadas se o senhor acabou não sabendo nada? Eu poderia responde como Sócrates. Ou como Platão. ou foi Isócrates, Parmenides, Catão, Montaigne, Schopenhauer, Spinoza, Benedito Nunes, Cruz Costa, Roland Corbisier, Helio Jaguaribe? Ou por quem disse: só sei que nada sei. Mas ai ele me diria: então o senhor sabe que nada sabe, portanto não pode responder o que não sabe. Por que nunca procurou saber? Então, inverto a situação e pergunto: e o senhor sabe? Tem ideia do que vai acontecer? Por que o senhor quer saber o que vai acontecer? Se souber, o que o senhor vai fazer? Impedir que aconteça ou reforçar o acontecimento? Por que o senhor quer saber o que vai acontecer? Qual o motivo? É fundamental saber? O senhor conhece alguém que saiba? Se conhece, por que perguntou a mim e não àquele que sabe? Se disse que não sei, é porque não sei, não tenho capacidade mental, não tenho lastro, não tenho inteligência, não tenho cultura, não tenho discernimento, não tenho leitura suficiente, nem raciocínio. Agora, por que o senhor n& atilde;o vira as costas e procura quem saiba? E ele: mas é o que estou fazendo, por isso venho perguntando, mas ninguém responde. Também quero, como todos querem. Quero saber, mas ninguém responde, será uma conspiração de silêncio? Será medo? Todos me parecem receiosos. Pergunto: receiosos? De que? Do que? Por que? O que pode acontecer que causa tantos temores? E ele, inquieto como eu, apreensivo como eu, desassossegado como eu, alvoroçado como eu diz: Perguntei ao senhor porque já não tenho mais a quem perguntar. Venho perguntando há muito tempo. Envelheci perguntando. Caminhei por toda a parte tão habituado a formular esta questão, que mal abro a boca, a pergunta salta fora, agarra-se ao outro, assusta, atemoriza. Esta pergunta atemoriza. O senhor sabe porque ela atemoriza? É uma pergunta simples, o que vai acontecer, quatro palavras comuns, do nosso cotidiano, a toda hora dizemos estas palavras. São fáceis, normais, mas as pessoas recuam, quase aos gritos, não sei, não sei, só sei que nada sei, o que vai acontecer, o que o senhor acha? Mas o senhor não acha, ou não quer responder. Sabe, mas não quer. Ninguém quer. Por que? Já fiz esta pergunta milhões de vezes, passei a vida indagando, já não suporto mais. Olhei para aquele homem, não sei dizer a idade dele, senti compaixão. Ele me fazia a pergunta que todos me fazem, a todo instante quando estou na rua, porque sou escritor, jornalista, cronista, sêr humano, sabem que em meus escritos falo de meu país, e de minha gente, do mundo. Senti que ele se agarrava a mim como a última chance. Eu podia responder. Mas tive medo. Medo de que se eu disser o que pode acontecer, ele não vai suportar. Publicado no jornal Estadão, hoje, 26 de outubro de 2018. voltar |
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