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Acadêmico: Eros Roberto Grau " Diz que o resultado eleitoral depende menos da figura "explosiva" de Jair Bolsonaro e "correta" de Fernando Haddad e mais dos símbolos anticorrupção versus corrupção que representam."
O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Eros Grau, não votou no dia 7 nem o fará no dia 28. Não porque decidiu usufruir do direito ao voto, facultativo aos seus 78 anos, mas porque se recupera de uma cirurgia que dificulta sua locomoção. Não tem, porém, dificuldade em revelar seu voto. Teria escolhido Geraldo Alckmin (PSDB) no primeiro turno e votaria nulo no segundo. Descreve o Brasil entre dois abismos. Diz que o resultado eleitoral depende menos da figura "explosiva" de Jair Bolsonaro e "correta" de Fernando Haddad e mais dos símbolos anticorrupção versus corrupção que representam. Atribui esse acirramento, em grande parte, ao ativismo judicial potencializado pelas transmissões ao vivo das sessões e incensado pela imprensa. Não descarta turbulências institucionais, mas diz que é preciso aceitar o resultado como parte de um processo eleitoral regular. Autor de voto decisivo que afastou a revisão da lei da anistia, não vê disposição das Forças Armadas ao revanchismo. Mas diz que a sociedade vive um momento de aceitar uma democracia mitigada em nome de mais ordem e menos corrupção. Há oito anos em São Paulo, desde que deixou o Supremo, o ex-ministro voltou a advogar. A seguir, a entrevista ao Valor, concedida na manhã de terça-feira em seu apartamento nos Jardins, zona sul da capital paulista: Valor: O que deu no Brasil? Eros Grau: A gente devia se perguntar o que deu no mundo. Se você vir o que está acontecendo na Europa hoje, com a direita chegando ao poder em toda parte, fica mais fácil de entender, digerir e evitar o caça às bruxas. É como se a gente estivesse num alto com um despenhadeiro da extrema esquerda, que não é esquerda, de um lado, e o da extrema direita do outro. Valor: Por que o senhor diz que o PT não é de esquerda? Grau: Porque a esquerda é construída em cima da dignidade do homem e não em cima do enriquecimento pessoal. Valor: Não é um erro igualar a profundidade desses despenhadeiros? Grau: O que há hoje é uma insegurança enorme que transformou as pessoas. Por isso volta e meia encontramos quem nos diga, 'ah! tomara que os militares voltem'. Parece que há uma necessidade de ordem de correção do comportamento dos homens, que foi para o espaço e só retornaria assim Valor: Mas o histórico que Bolsonaro já exibiu até hoje não colide com essa expectativa? Grau: Nessa altura não é importante para o eleitor quem é Bolsonaro. O importante é o que ele representa. O outro candidato, que aliás foi meu aluno, pode ser uma boa pessoa, mas é, de certa forma, a expressão da corrupção. É isso que está na cabeça do eleitor. E o outro lado representa a negação da corrupção. Mas isso não tem nada a ver com a figura do Haddad, que é um homem correto, nem com a figura do Bolsonaro, que é um homem explosivo. O que está em jogo é isso, corrupção e não corrupção. Sem que isso signifique que um é corrupto e o outro não é. Valor: Como o senhor avalia o papel dos estamentos jurídicos e policiais, aí incluído o judiciário, Ministério Público e Polícia Federal na conjuntura? Grau: O Judiciário se transformou num espetáculo televisivo. Hoje o Judiciário, por conta da televisão, se transformou num espetáculo midiático. Quando um ministro do Supremo Tribunal Federal anda na rua ele hoje é quase tão conhecido quanto um jogador de futebol. Se eu sonhasse em me transformar em ditador do Brasil, a primeira providência que tomaria seria proibir o espetáculo dos tribunais. A justiça não é produzida com a prudência que lhe é característica. A jurisprudência perdeu terreno para a 'jurisarte', que é isso que vemos nas sessões. Em 2006 veio ao Supremo um juiz do tribunal constitucional francês e me designaram para recebê-lo. No ano seguinte, visitei a Corte Constitucional na França e saímos para alm oçar. Caminhamos uns 150 metros e ele me perguntou: 'Você já percebeu que eu ando aqui na rua e ninguém sabe quem eu sou?' Valor: E no que essa exposição do Supremo favoreceu o protagonismo do Judiciário na disputa eleitoral deste ano? Grau: Não me sinto à vontade para falar da atuação da Corte, mas em linhas gerais há tendências políticas e de marketing hoje na composição. Quando estava no Supremo, um dia um amigo me perguntou, se foi o [ex-presidente] Lula quem me levou para o Supremo. Respondi que quem me levou não foi o Lula, foi o presidente da República. E eu fui para o Supremo não porque ele me levou, mas porque o Senado Federal aprovou minha indicação. Se o cara que chega com a consciência de que quem o indicou foi o presidente da República e não o fulano de tal, ele será um juiz prudente. Mas se ele chega lá devendo favor ou benefício a fulano ou sicrano ele já perdeu serenidade indispensável ao cargo. Valor: O fato de o juiz Sérgio Moro ter liberado o grampo de um presidente da República e parte da delação de um ex-ministro petista às vésperas do primeiro turno e permanecer impune ajudou a gerar esse clima de insegurança que hoje se vive em relação ao judiciário? Grau: Acho que sim. Às vezes o Supremo delibera de acordo com a lei, e outras vezes de acordo com a mídia. Esse é que é o mal. O fato de a produção da justiça ter se transformado num espetáculo. Por sua própria iniciativa. Que pode até ter sido originalmente correta, mas teve desdobramentos muito graves. Valor: Esse Supremo que teve sua função tão deturpada pela publicidade dará conta de salvaguardar as instituições de um eventual governo com nuances autoritárias? Grau: Na ditadura o Supremo ora se comportou bem, ora muito mal. Não estamos às portas de uma ditadura, mas o atual presidente do Supremo [José Antonio Toffoli] é um sujeito muito inteligente e aprendeu que a produção dos tribunais exige prudência. Ele tem insistido muito nesse tom da serenidade nos seus pronunciamentos.Tenho esperança de que assim proceda. Valor: O presidente do STF tomou duas atitudes polêmicas, o de levar para seu gabinete um general que foi chefe do Estado Maior das Forças Armadas, e a segunda de renomear a ditadura para "movimento". É um bom prognóstico? Grau: O fato de o sujeito ser general não quer dizer que ele seja bom ou mal. Valor: Mas é inédito... Grau: Tenho a impressão de que é uma tentativa de mediação. O mesmo vale para a nomenclatura. Acho que ele está tentando harmonizar. Já tinha decidido me aposentar quando foi distribuído pra mim um processo da anistia, em que estava em questão a legalidade da anistia. Se não deveria ser apenas para a esquerda, sem estender para os militares. Tive longas conversas. E sabia perfeitamente que se ela não fosse ampla, geral e irrestrita ela não existiria. Aí votei pela amplitude da anistia. Recebi muitas críticas de gente que baixou os olhos para a ditadura enquanto eu estava preso no Doi-Codi, mas quando você julga um caso você decide de acordo com a Constituição e a lei. Há momentos em que a emoção tem levado os julgamentos a desprezar um e outro. Uma vez dei um habeas corpus de um personagem muito polêmico. Quando termi nei, um assessor me parabenizou, mas lamentou que tenha sido para aquele impetrante. E eu respondi: "E eu lamento que você nunca vai conseguir ser juiz". Eu queria que aquele impetrante fosse para o inferno, mas ele tinha razão. Você não pode julgar de acordo com seus sentimentos. Valor: Quando o Supremo julgou fora da letra da lei? Grau: Não queria me deter em casos concretos, mas tenho medo da aplicação desse direito, desse ativismo judicial que se vale da argumentação e da emoção para julgar casos em que a regra jurídica parece inócua. O risco é consubstanciar uma nova versão da velha regra que recomenda tudo para os amigos e, para os inimigos, a lei. Que só vai ter fim quando começar a comprometer a economia de mercado. É o antigo direito alternativo, o movimento alternativo que surgiu no Paraná no fim dos anos 70 e hoje chamam de neoconstitucionalismo. O julgamento de que mais me orgulho foi o de uma mulher que levou um grama de maconha para o marido que estava preso. Ela tinha uns 40 anos, pesava 30 e poucos quilos. Foi presa. Dei a liberdade para essa mulher. É um caso em que tenho c erteza de que fiz justiça. O sistema jurídico brasileiro está aí para que? Valor: O polo que pode vir a ascender ao poder traduz, em grande parte, uma associação entre as forças policiais, militares e juízes extremados. No que pode dar? Grau: Não é porque eles querem que estão chegando ao poder. É porque a sociedade vai escolhê-los. Valor: Mas como impedir que essa aliança entre os poderes subverta a democracia? Grau: Tenho uma serenidade absoluta, no sentido de antever um mundo mais justo em que um homem seja irmão do outro e em que as ideias do velho Marx se realizem, mas a história é um processo. Agora estamos vivendo um momento extremado porque a extrema direita deve ganhar. Mas é um ciclo que será substituído por outro. Valor: Mas em outros países em que a extrema direita assumiu, instituições mais previsíveis não oferem mais garantias à sociedade? Grau: Se as instituições cumprissem tão à risca assim seu papel nos Estados Unidos talvez o governo Trump já tivesse acabado. Podemos ter abalos, sim, no Brasil mas se isso acontecer vai levar a um outro movimento histórico. Santo Agostinho, que chamo de camarada Agostinho, diz que um dia a lei habitará num deserto e no vergel [pomar] florescerá a Valor: Como o senhor vê a proposta de Bolsonaro de aumentar o número de juízes? Grau: Isso teria que passar pelo Congresso. Não é fácil. Necessária é uma reforma do poder judiciário com mandato para os ministros. O Supremo deve ser transformado num tribunal constitucional como o americano e o francês. Só vai pra lá o que for fundamental para determinar como os demais tribunais devem agir. Aquele ministro da Corte Constitucional francesa que nos visitou viu que por ano se julgavam 2 mil processos por ano. Lá eles julgavam 88. Valor: O Supremo não se queimou como mediador com a postura de rever a nomenclatura de ditadura para "movimento"? Grau: Não, é uma expressão de prudência. Confio no Toffoli. Quero construir esperança. Se ele for prudente e conseguir reduzir a competência dos tribunais, apenas constitucional, podemos começar a caminhar uma boa trilha. Valor: O país então está caminhando para aceitar menos democracia por mais moralidade? Grau: Sem dúvida. Mas é isso que a sociedade parece querer. Se Bolsonaro se chamasse Dimas ou Alexandre seria a mesma coisa. Hoje há a impressão de que a esquerda é bandida. Então vamos para a direita. O povo brasileiro não vai eleger o Bolsonaro? E o que se quer de uma democracia é que o que tem mais votos seja eleito. Valor: Hitler também não chegou ao poder pelo voto? Grau: Mas só se descobriu isso depois de sua posse como chanceler. Então vamos esperar chegar o depois. A velhice traz prudência e serenidade. É a sociedade brasileira que vai fazer essa escolha. Valor: Por que Haddad teve tanta dificuldade de formar uma frente? Grau: Ninguém quer se arriscar. Porque não se sabe o que vem aí ou porque as pessoas querem se preservar como mediadores. Não vão se expor diante de uma realidade que parece já estar aí. Essa é que é a grande verdade. Valor: Que 2019 o senhor prevê? Grau: Temos que esperar. Bolsonaro fez besteira quando pôs a Janaina Paschoal e depois colocou um militar [Hamilton Mourão] como vice. Porque ele aparentemente radicaliza tudo. Bolsonaro não é burro, embora seja estourado. Se tiver prudência, vai maneirar. Valor: Na condição de juiz que já se debruçou sobre a lei da anistia, o senhor vê a revanche de um estamento que era considerado sanguinário? Grau: São outras pessoas... Valor: Mas foram educadas na doutrina de que os militares foram injustiçados... Grau: É produto das circunstâncias históricas. Eles tiveram essa chance. Em outras circunstâncias estariam contidos. A única esperança é que ele saiba escolher e conduza com prudência, senão não sei o que vai dar. Valor: Quem embates prevê? Grau: O Supremo está fazendo gato e sapato do presidente Michel Temer. Fará de Jair Bolsonaro? Valor: A retaguarda militar vai protegê-lo? Grau: Pode mandar recados. O judiciário mais sereno poderá dar umas trombadas no Legislativo e no Executivo sem a mediação da imprensa. Valor: Há razões para se ter medo? Grau: Não sei. Como diria Franklin Roosevelt, a única coisa que se deve temer é o próprio medo. Publicado em 19 de outubro de 2018, no jornal Valor Econômico, sob o título "O judiciário virou parte do espetáculo, afirma Eros Grau" voltar |
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