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NO MEIO DO ARRASTÃO
Acadêmico: Roberto Duailibi
"Subitamente atacaram um ciclista que pedalava na ciclovia, derrubaram-no e tentaram tirar sua bicicleta. O rapaz da idade dos jovens assaltantes tentava fugir, mas os meninos e uma menina resolveram bater nele, ao mesmo tempo em que puxavam a bicicleta. Pensei 'Epa, lá vai meu celular!' e apertei-o em meu bolso. Nem pensei na carteira com os cartões."

Sábado, dia 7 de setembro, em frente ao posto 9 de Ipanema, vivi uma experiência da qual muita gente já ouviu falar, mas poucos sentiram tão intensamente. Havia acabado de sair da feira de antiguidades do posto 6, onde fora comprar um objeto que há tempos desejava, e pagaria com cartão de crédito. Ao sair, resolvi caminhar no calçadão de Ipanema e tomar sol. Tranquilo, filmei com meu iPhone 9 uma bandeira com o texto SONIA & FAMÍLIA, que pensava mandar por WhattsApp, com um texto bem humorado, para minha irmã que se chama Sonia e para minha amiga Sonia Racy, em São Paulo.

Coloquei o celular no bolso do velho calção que vestia e amarrei com mais força o cordão, já que sob o peso do celular e da carteira com os cartões de crédito no bolso, o calção insistia em ficar escorregando para baixo. Eu o comprei há uns 15 anos na Wollner da Visconde de Pirajá. Desejando alimentar-me com a vitamina D proporcionada pela exposição de meu corpo ao sol daquela manhã carioca, tirei a camiseta com uma estampa de um pássaro brasileiro que expõe orgulhoso uma coroa colorida sobre sua cabeça, e o texto MATA ATLÂNTICA e enrolei-a em meu pulso.

Caminhava assim despreocupado pelo calçadão, olhando a praia, quando vi surgirem à minha frente uns quatro adolescentes, fortes, meninos e meninas, entre 14 e 16 anos, andando rapidamente em minha direção, pulando e dançando, num evidente frenesi. Vestiam bermudas e camisetas sem mangas. As meninas tinham biquínis reduzidos. Riam e gritavam. Havia agressividade na maneira como apontavam para as pessoas. No primeiro momento, vendo só os quatro primeiros, imaginei que fossem apenas uma turminha zoando. Mas atrás dos quatro surgiram outros dez ou doze, ou até mais, e aquilo formava uma multidão perigosa e agressiva. Moviam-se como rapidez. Roubaram alguns cocos do quiosque e estavam muito agitados.

Subitamente atacaram um ciclista que pedalava na ciclovia, derrubaram-no e tentaram tirar sua bicicleta. O rapaz da idade dos jovens assaltantes tentava fugir, mas os meninos e uma menina resolveram bater nele, ao mesmo tempo em que puxavam a bicicleta. Pensei “Epa, lá vai meu celular!” e apertei-o em meu bolso. Nem pensei na carteira com os cartões.

Ao meu lado as pessoas gritavam de pavor, “É um arrastão! É um arrastão!” e corriam para todos os lados. Vi surgir da praia um rapaz forte, também de calção, aparentemente um policial ou salva-vidas do posto, que correu em direção aos jovens, os quais imediatamente aceleraram a fuga e tornaram-se mais agressivos com as pessoas que caminhavam na calçada.

No meio daquela confusão, eu segurava com força o celular em meu bolso e pensava gritar para as outras pessoas “Escondam seus celulares!”. Uma moça muito bonita teve sua correntinha com um crucifixo arrancada por uma das garotas, que puxou e rasgou também sua canga estampada. A moça, de óculos escuros e mochila, caiu no chão em meio às cadeiras de plástico do quiosque, aos gritos de socorro. O rapaz que parecia ser o líder do grupo aproximou-se de mim e puxou a camiseta que estava enrolada em minha mãos. Com a mesma rapidez com que surgiram da praia, os jovens desapareceram correndo no meio do trânsito da Vieira Souto, rindo e gritando.


Curioso que eu havia acabado de ler uma descrição de incidentes ocorridos em 1815 em Aleppo, na Síria, quando os cristãos residentes naquela cidade foram atacados, mortos e roubados em seus bairros por islâmicos e janizaros armados, que, teoricamente, deveriam agir para evitar conflitos entre as minorias religiosas que habitavam o local. Como a leitura ainda estava fresca em minha mente, não pude deixar de associar uma coisa à outra, o mesmo terror, a mesma multidão irracional, os atos violentos e talvez até o mesmo frenesi alegre dos agressores.

Imaginei também como deve ser a vida nos bairros pobres onde esses jovens vivem, em que turmas mais fortes agridem turmas mais fracas e até matam seus membros, quando há o interesse comercial da venda de drogas.


Quando a onda passou, as vítimas da Vieira Souto olharam-se umas às outras. A moça da correntinha, evidentemente uma turista, gritava, ao ver outros jovens se aproximarem, “Lá vem mais! Lá vem mais!” E pulou para a praia, correndo; uma outra moça, com uma mochila às costas, examinava o que havia sido roubado dela, esperando que não tivesse sido seu celular e os cartões. “Só puxaram meu cabelo”, disse ela, “acho que não viram minha mochila”. Uma senhora reclamava, “Ninguém ajudou, ninguém ajudou!” O dono do quiosque, “Todo dia é essa droga!”

Minutos depois, ouviram-se sirenes e carros da polícia apareceram. Talvez já fosse tarde para cercar a garotada, mas todo mundo ali elogiou os policiais que, apesar de terem seus salários atrasados, ainda correm atrás dos assaltantes. Se conseguirem pegar um ou outro, saberão que eles vão zombar de seus esforços e logo estarão soltos.


* é publicitário e membro da Academia Paulista de Letras




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