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Acadêmico: Bolívar Lamounier "Inegavelmente, um deles tem um modelo de crescimento e diretrizes de política econômica"
A elite pensante brasileira mantém-se firme na convicção de que consegue compreender os problemas do País com base na dicotomia esquerda direita. Qualquer que seja o assunto em pauta, lá vai ela de volta ao século 19 e de lá retorna com os chavões habituais. Não percebe que comete pelo menos dois graves equívocos. Primeiro, não percebe que fala apenas de si e para si. Tudo se passa como se fosse formada por duas tribos se insultando mutuamente. A esquerda xinga a direita de direita e a direita xinga a esquerda de esquerda. Sabem por que afirmo isso? Muito simples. Não passa de 20% a parcela da sociedade que tem pelo menos um vago entendimento desses termos. Um pouco mais, um pouco menos. E não em razão do precário nível de instrução em nosso país, assim é por toda parte. O segundo equívoco é a crença de que todos os desacordos existentes na sociedade podem ser encaixados numa única dimensão. Ora, a dicotomia esquerda-direita sintetiza, mal e parcamente, o conjunto de questões referente à política econômica e às desigualdades de renda e riqueza. Para representá-la graficamente basta-nos traçar uma linha (horizontal, suponhamos), numa ponta teremos a esquerda e na outra, a direita. Ao longo de tal linha temos graus de esquerdismo e direitismo na dimensão econômico-social. Mas onde entram, por exemplo, as dezenas de agudas desavenças que se manifestam no plano dos valores: questões de religião, combate à corrupção, concordâncias e discordâncias referentes à legalização do aborto, política de gênero, etc.? Ora, não entram em nenhum ponto da linha horizontal, uma vez que pertencem a outra dimensão. Para levá-las também em conta, precisamos de uma representação ortogonal, quer dizer, uma linha vertical, cortando a horizontal. Assim teríamos, vamos dizer, em cima os cidadãos que apoiam a legalização do aborto e em baixo os que dela discordam. E assim, em vez de duas “tribos” ou “campos”, passamos a ter pelo menos quatro. Esse raciocínio meio enrolado poderia ser dispensado se nos puséssemos de acordo quanto a uma obviedade verdadeiramente solar: em qualquer sociedade, as linhas de conflito são muito mais numerosas do que julga a vã filosofia. Formam um emaranhado diante do qual a dicotomia esquerda-direita é quase impotente. Imprestável. Para não complicar em excesso a discussão, vou me manter na dimensão econômico-social e propor, ainda com muita parcimônia, que precisamos de pelo menos três pontos para representar a cabeça dos brasileiros. Nosso cérebro se divide em pelo menos três hemisférios ideológicos. Admitindo-se que apenas 20% são capazes de compreender esse tipo de peroração, digamos que metade deles (10%) se mantém aferrada à velha ideologia nacional-desenvolvimentista (que, a rigor, se deveria chamar nacional estatista, pois faz tempo que ela se tornou incapaz de promover desenvolvimento...); 5% corresponderiam à esquerda hardcore, ou seja, ao PT e aos partidos comunistas e outros pequenos corpos celestes que gravitam em torno dele. Os restantes 5% correspondem aos liberais (frisando que falo de liberais em economia, a parcela liberal em política é muito maior). Os grupos de esquerda geralmente se declaram “socialistas”, mas o sentido desse termo não é claro. Nos tempos da União Soviética - do chamado “socialismo realmente existente” - significava que uma casta burocrática controlava toda a economia por meio de um sistema de planificação central; no sistema de partido único, o Partido Comunista zelava para que ninguém contestasse o regime e uma onipresente polícia secreta cuidava dos eventuais recalcitrantes. No Brasil, se formos julgar pelo governo de Dilma Rousseff, o dinamismo da economia teria de ser assegurado pela exportação de commodities, premissa razoável enquanto a China mantinha taxas de crescimento estratosféricas; internamente, o BNDES turbinava “campeões” empresariais do tipo Eike e Joesley Batista; e a cornucópia governamental jorrava subsídios para a indústria automobilística e crédito para o escoamento dos veículos produzidos. Uma consequência disso, como agora sabemos, foi as estradas ficarem entulhadas de caminhões... Sim, Lula expandiu o Bolsa Família até o limite do possível, objetivo alcançado com... 0,5% do PIB, um programa pífio se analisado em termos de mobilidade social ascendente. O pouco que sobrou a recessão comeu. O nacional-estatismo, uma vez vencida a fase “fácil” do crescimento, redundou na estagnação em que nos encontramos, aprisionados na chamada “armadilha da renda média”, com uma renda anual por habitante estacionada em torno de US$ 11 mil, metade da de Portugal. E quanto à política social? Eis aí um ponto que não cabe nos limites deste artigo. O que podemos afirmar com segurança é que a miríade de grupos corporativos fica com a parte do Leão e o País, evidentemente, não consegue produzir superávits que aguentem sequer uma modesta política social-democrata. Restam os liberais. O problema com esse grupo é seu medo de pronunciar a palavra maldita: liberais. Os economistas não se assustam com ela, mas os políticos, sim, quase sem exceção. Um modelo de crescimento e diretrizes de política econômica o grupo inegavelmente tem. Começa por uma política fiscal rigorosa, que mantenha a inflação sob controle e assegure uma taxa de juros decente. Redução do papel empresarial do Estado ao mínimo possível. Privatização, criação de um ambiente de confiança para o desenvolvimento do mercado e estímulo ao surgimento de uma classe média empresarial. Concentração dos recursos do Estado no desenvolvimento tecnológico e nas áreas sociais: educação, saúde, saneamento. E abertura da economia ao exterior, estimulando a competição e a competitividade. Publicado no jornal Estado de São Paulo em 08/07/2018. voltar |
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