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Acadêmico: Júlio Medaglia "Após a libertação dos escravos no continente americano, participando dos hábitos culturais de origem europeia, os negros foram influenciando nossas culturas musicais, fazendo nascer por aqui estilos novos e muito originais."
O Brasil e os Estados Unidos possuem trajetórias históricas semelhantes. Ambos os países foram descobertos e colonizados por europeus, que trouxeram para este continente seus costumes e hábitos culturais e com o tempo foram buscar mão de obra na África para trabalhos mais pesados e, digamos, “menos nobres”. O que os colonizadores europeus que aqui se instalaram não sabiam é que esses operários negros, analfabetos, que falavam dialetos incompreensíveis, traziam em suas almas também uma linda provocação cultural. Após a libertação dos escravos no continente americano, participando dos hábitos culturais de origem europeia, os negros foram influenciando nossas culturas musicais, fazendo nascer por aqui estilos novos e muito originais. No Norte foram o cham ado jazz, as diversas formas de musicais, os Tin Pan Alley e no Sul o choro e uma centena de ritmos sincopados extraídos das danças de origem africana. Como no Brasil os negros puderam manter suas práticas musicais de suas origens, pouco depois da libertação dos escravos houve a infiltração de um sem-número de componentes dessas práticas na música popular. E, em seguida, esses componentes invadiram também a chamada música de concerto. Nos Estados Unidos essa integração não foi tão simples e rápida assim. Aqui, o grito de alforria de Nepomuceno em prol de uma música brasileira com as cores sonoras de nosso país foi logo assimilado, fazendo nascer uma geração com Villa-Lobos à frente que produziu música “miscigenada” da melhor qualidade. No país do norte a chamada “música de concerto” e as culturas populares permaneceram separadas por dé cadas. Na primeira metade do século passado, as grandes orquestras sinfônicas dos Estados Unidos eram compostas e dirigidas por músicos europeus que fugiam do comunismo ou do nazismo. Além disso, nascia uma geração de compositores influenciados pela professora de composição Nadia Boulanger de Paris, que criava uma música neo-clássica num país que não teve classicismo. Enquanto isso o jazz e o musical americano desenvolviam características musicais próprias, muito criativas e do mais alto nível técnico e artístico. Um incidente ocorrido na coxia do Carnegie Hall de Nova York no dia 14 de novembro de 1943, iria aos poucos mudar essa situação. Um músico americano de pouco mais de 20 anos, que havia estudado com os melhores mestres, que tinha algumas de suas composições já executadas, havia assumido o cargo de uma espécie de regente-assistente da Filarmônica de Nova York. Não tinha compromisso de regê-la e sim o de acompanhar os ensaios e ficar nos bastidores dos teatros, preparado para assumir o concerto caso o maestro tivesse um inesperado impedimento: Leonard Bernstein. Nos concertos dessa orquestra, nunca o maestro havia sido substituído por um assistente. Mas, naquela noite de novembro de 43 um mal súbito afastou Bruno Walter da regência e o jovem americano assumiu a direção da orque stra. Carnegie Hall lotado e o concerto transmitido pelo rádio internacionalmente, transformou aquele evento no lançamento mundial de um dos maiores músicos do século XX. Bernstein tinha sólida formação. Estudara no Curtis Institut da Filadélfia e na Harvard, teve como mestres Erich Kleiber e Serge Koussevitzky. Era excelente pianista a ponto de executar o Concerto em Sol de Ravel sob o comando de Toscanini mas também obras jazzísticas com todos os maneirismos daquela linguagem tão flexível e espontânea. Sua carreira de regente, pianista e compositor da Broadway e do Metropolitan foi crescendo de tal maneira que em 1957 assumiu a Filarmônica de Nova York substituindo um mito da regência Mitropoulos. Com prestígio cada vez maior no cenário americano e com a poderosa filarmônica nas mãos, Bernstein iniciou um processo de americanização da música de seu país. Algo que, na área da composição, Gershwin havia feito ao colocar o swing do jazz na orquestra sinfônica. Bernstein foi mais adiante. Trouxe ao conhecimento público importantes compositores que permaneciam no limbo, iniciando esse trabalho com a revelação ao público a obra de Charles Ives, o grande compositor e precursor do século XX musical. Prestigiou toda uma geração de novos músicos, intérpretes e compositores que traziam a realidade musical americana às salas de concertos. Atuou em séries televisivas e radiofônicas que popularizaram a música clássica. Aqueles que pensavam que a carreira de regente de Bernstein havia se encerrado ao sair da Filarmônica de Nova York depois de 12 anos, enganaram-se redondamente. Ele iniciou uma nova carreira internacional à frente das melhores sinfônicas do mundo, como as de Viena, Berlim, Amsterdam, Tel Aviv, Londres e outras. Seu prestigio como maestro cresceu ainda mais quando, à frente da Filarmônica Viena regeu inúmeras vezes e gravou as sinfonias de Mahler, revitalizando modernamente o prestígio desse compositor. Parece incrível afirmar que um pianista de jazz americano poderia chegar na cidade-reduto de Mahler e apresentar uma nova concepção de sua obra e torná-la modelar internacionalmente. Essa relação especial com a obra de Mahler se dava pelo fato de Bernstein ter tido contato direto e intenso com Bruno Walter, amigo pessoal do compositor e seu assistente por muitos anos. Quando fui estudante na Universidade de Freiburg na Alemanha tive oportunidade de conhecer uma filha de Bruno Walter que era amiga de meu professor de regência Carl Ueter. Ela narrou em detalhe as características dessa aproximação de Bernstein com Walter e a maneira como as análises das partituras do mestre eram passadas ao jovem músico. Num verão de 1962, após tomar um café com ela e meu professor na praça da belíssima catedral gótica de Freiburg, ao nos despedirmos, perguntei à ela: Dona Lotte, naquela noite que seu pai não pode reger um concerto com a Filarmônica de Nova York, ele estava realmente doente? Não disse ela. Naquela semana ele tinha tido um pequeno resfriado, mas aproveitou esse fato para não reger o concerto e dar oportunidade a Bernstein. Ele estava ciente que aquele era o momento de lança-lo em grande estilo em seu país e internacionalmente. Walter tinha razão. Ajudou a tornar conhecido o maior músico americano do século e um dos maiores da história. Publicado na Revista Concerto de junho. voltar |
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