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Acadêmico: Roberto Duailibi "Os pancadões constituem talvez o símbolo mais evidente da falta de respeito pela vida dos outros. Promovidos por jovens, alguns menores, constituem também o evento ideal para a venda de bebidas e drogas."
Têm sido comuns no Rio de Janeiro mortes e chacinas após festas na periferia, os chamados bailes funk. Algumas dessas ações criminosas deixam muitos mortos, na maioria jovens, e ocorrem na madrugada, em meio ao batidão do funk ou algum “desafio rap” modalidade de diversão em que dois rivais se colocam frente a frente e se ofendem, rodeados por uma multidão ululante, até que um deles desista. Certamente as mortes serão, como sempre, atribuídas aos mesmos agentes, milicianos, facções rivais, PMs, torcidas contrárias, vingança passional, já que essas reuniões propiciam assédios e estupros pessoais ou coletivos, às vezes estimulados pelas próprias letras das músicas insistentemente tocadas. A perplexidade que tais atos bárbaros provoca faz com que as notícias sejam lidas rapidamente e esquecidas minutos depois. O que fica apenas é a memória da dor das famílias dos jovens, muitos dos quais estudantes e trabalhadores que procuravam uma oportunidade além daquela que está mais ao seu alcance nas periferias. O que ninguém se lembra é dos moradores dos conjuntos habitacionais onde tais festas são promovidas, e que ficam sem dormir sexta, sábado e domingo, quando têm suas casas invadidas pelo insuportável som dos alto falantes utilizados em tais eventos. A energia que alimenta esses poderosos alto-falantes vem de pequenos motores a gasolina, portáteis, que custam pouco mais de mil reais. Juntos, são capazes de produzir uma altura de decibéis que alcança um raio de mais de cinco quilômetros, infernizando a vida de pessoas impotentes para impedir tal violação de seus espaços próprios. Os pancadões constituem talvez o símbolo mais evidente da falta de respeito pela vida dos outros. Promovidos por jovens, alguns menores, constituem também o evento ideal para a venda de bebidas e drogas. Essa é a principal razão porque os vizinhos não têm a coragem de denunciar o inferno em que vivem nos fins de semana. Em algumas cidades do interior, os pancadões são móveis e os alto-falantes transportados no porta-malas de carros. São empreendimentos comerciais, pois o objetivo não é em si a diversão, tão necessárias nas comunidades pobres, mas a venda de estupefacientes — sejam bebidas ou drogas. Em São Paulo, a partir de denúncia de vizinhos, a PM está autorizada a apreender o equipamento de som que incomoda. No Rio, esse seria o maior desafio, em minha opinião, às forças de segurança comandadas pelo general Braga Netto. Da mesma forma que britadeiras destruíram os obstáculos construídos pelos traficantes “donos” de largas regiões onde impõem a sua ditadura cruel, a apreensão de equipamentos de som que impedem a tranquilidade dos moradores das comunidades seria a maior prova de força e ordem que as tropas poderiam dar. E teriam a aprovação total dessas comunidades. Uma operação desse tipo exige coragem e planejamento, já que nesses bailes os “soldados” dos comerciantes de drogas exibem seus fuzis e metralhadoras, inclusive dançando com suas armas e, num desafio ao Estado, postando as cenas nas redes sociais. Claro que tal ação seria criticada, já que poderia ser interpretada como preconceito contra o funk ou o rap. Mas não é o caso. É uma ação somente contra o barulho descontrolado e pelo sossego das populações vítimas dessa agressão sonora. Roberto Duailibi é publicitário. Artigo publicado no jornal O Globo de sábado, 5 de maio de 2018. voltar |
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