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Acadêmico: Júlio Medaglia Tendo sido informados que em alguns países europeus, a proteção do direito autoral estendia-se por até 70 anos após a morte do autor, os deputados franceses rapidamente aprovaram uma lei que prolongava por mais 20 anos a proteção do direito autoral. Em seguida, a partir de mais um artifício jurídico, o Bolero de Ravel só veio a ser liberado de direitos em 1916. Ou seja, 79 anos após a morte do autor.
O compositor Maurice Ravel nasceu numa pequena cidade próxima da fronteira da França com a Espanha. Quando criança, ele assistia numa aldeia espanhola uma curiosa festa que o marcou por toda a vida. Nos fins de semana um dos habitantes dessa pequena comunidade postava-se na pracinha principal com um tambor e percutia uma célula rítmica de dois compassos ininterruptamente. Ao ouvirem aquele toque as pessoas se dirigiam à praça, da mesma forma que, ao bimbalhar dos sinos nos domingos, se dirigiam à igreja. Músicos amadores também se aproximavam da praça com seus instrumentos e começavam a tocar, sincronizados com o ritmo do tambor, uma melodia folclórica. Aos poucos chegavam as mulheres da aldeia paramentadas com vistosas sa ias rodadas conhecidas como boleras, todos rodopiando em torno dos músicos noite adentro. Quando em 1928 a bailarina e coreógrafa Ida Rubinstein encomendou a Ravel uma obra de caráter espanhol para sua trupe de danças, ele resolveu estilizar aquela festa de aldeia e criou uma obra para grande orquestra baseada naquele rito singelo. Essa obra, o Bolero, tornou-se sua criação mais famosa e executada. Nela ouve-se também inicialmente apenas a percussão de dois compassos executados pela caixa clara da sinfônica e, aos poucos, os instrumentos da orquestra vão entrando, engrossando a massa sonora e acrescentando novos timbres à uma melodia que se repete por 15 minutos aproximadamente. Na década de 1980 o diretor francês Claude Lelouche ao escrever e dirigir o filme Les uns et les autres (Retratos da vida), colocou em sua parte final uma coreografia do bailarino Jorge Donn dançando o Bolero. Não numa pracinha de interior mas na monumental praça que existe diante da Torre Eifel de Paris. O filme obteve um sucesso retumbante, permaneceu anos e anos em cartaz em cinemas do mundo todo e o disco com a gravação do Bolero tornou-se por muito tempo o mais vendido em todos os países, inclusive no Brasil. Ocorre que, naquela década, aproximavam-se os 50 anos de morte de Ravel, e, segundo a legislação vigente na França, a obra estava prestes a cair em domínio público. Dessa maneira iria cessar aquela avalanche financeira que chegava do mundo inteiro ao país pela a execução da obra e venda de suas gravações. Tendo sido informados que em alguns países europeus, a proteção do direito autoral estendia-se por até 70 anos após a morte do autor, os deputados franceses rapidamente aprovaram uma lei que prolongava por mais 20 anos a proteção do direito autoral. Em seguida, a partir de mais um artifício jurídico, o Bolero de Ravel só veio a ser liberado de direitos em 1916. Ou seja, 79 anos após a morte do autor. É de se perguntar, o por quê dessa proteção autoral tão extensa? Ravel não teve herdeiros, não criou nem foi criada uma associação para cuidar de seu patrimônio musical e coisas assim. Visitei sua residência em Montfort-l’Amaury um subúrbio de Paris onde ele viveu de 1921 até sua morte e onde ele compôs o Bolero. Trata-se de uma casinha modesta, mantida pela prefeitura como museu e onde, pagando-se alguns poucos euros, pode-se entrar e apreciar seus pertences e mais nada. É claro que não só o governo francês através de impostas, como toda uma legião que pouco ou nada têm a ver com o autor, com a obra ou que em nada contribuíram para que ela existisse, continuam amealhando fortunas. São impostos, editores, sub-editores distribuídos em todo o mundo (gráficas que produzem um produto meramente industrial), arrecadadoras e distribuidoras de direitos autorais etc, etc, etc. Estabelecendo-se um paralelo com outras áreas da criatividade humana, nota-se a diferença e a discrepância da situação. Quando uma empresa química, por exemplo, trabalha por anos e anos, investe fortunas e conta com a inteligência e criatividade de legiões de cientistas para criar um produto farmacêutico que faz milagres, que penetra em nossa corrente sanguínea e vai atingir o ponto problemático do organismo, resolvendo deficiências, e salvando milhares e milhares de vidas mundo afora, ela tem direito, segundo códigos internacionais de propriedade intelectual e industrial, de permanecer dona da fórmula por apenas 10 anos. Se nesse período a fórmula for alterada, decorrente de n ovas pesquisas ou pelo progresso científico, ela tem o direito de prolongar a propriedade daquela patente por mais dez anos. Depois disso, a fórmula cai automaticamente em domínio público, transformando-se nos chamados “genéricos”, podendo ser usada por qualquer outro laboratório sem pedir licença. No caso artístico, todos nós sabemos que a mais complicada das carreiras é a de compositor. Até que ele possa viver exclusivamente dos direitos de execução ou gravação de suas obras, tem que enfrentar um complicado calvário profissional do qual pouquíssimos saem bem sucedidos. Agora. Aquela legião de chupins que pouco ou nada têm a ver com o autor nada mais fazem que colher os frutos da criatividade alheia por décadas e décadas . Assim sendo, este ano temos uma boa notícia. Uma figura que nasceu há 113 anos, que continua linda e encantadora como nunca, vai ganhar sua alforria. Como o responsável por sua vinda ao mundo, de nome Franz Lehar, se foi há 70 anos, ela está livre de seus exploradores. Está à disposição de todos e muito feliz. Ela é viúva e todos a chamam de Viúva Alegre... voltar |
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