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O BENEFÍCIO DA DÚVIDA
Acadêmico: Roberto Duailibi
" É preciso em dados momentos fazer concessões, abrir mão de determinados valores e fazer muitas articulações em busca de maioria."

Todo início de mandato, seja ele para presidente, governador, prefeito, senador, deputado, vereador, se forma uma romaria às portas do político eleito. A fila do beija-mão é interminável. Todo mundo gosta de mostrar-se próximo ao poder. Basta, contudo, surgir algo supostamente irregular, suspeito, ainda que sem provas contundentes, para que essa nuvem de bajuladores se desfaça imediatamente.
Digo isso até pela experiência. Vi ao longo da vida políticos cheios de prestígio e que num momento seguinte amargavam a solidão. O movimento de bandear-se para outro lado é algo rápido demais. Num piscar de olhos e o humor do tempo, por meio de ventos fortes, afasta a nuvem para outras paragens.

Vamos trazer esse pensamento para os dias atuais. Peguemos os dois mandatos do presidente Lula. Com popularidade acima de 85% ao deixar o segundo período, Lula conviveu todo o tempo às voltas com a bajulação de todo tipo. Empresários, políticos, artistas, cidadãos comuns. O homem que trouxe carne para a mesa dos mais pobres, que criou o Bolsa Família, que promoveu socialmente o País, que conquistou graças ao seu marketing até gente do exterior, como Barak Obama, estava na moda, era “o cara”.
Hoje, a despeito das pesquisas que o indicam como favorito, ele é sempre visto acompanhado apenas pelos mesmos políticos de sempre, os mesmos que o têm amparado neste momento e torcem para que ele volte à Presidência. É preciso lembrar, contudo, que as pesquisas se dão num cenário hipotético, com nomes de postulantes que nem negam nem confirmam a intenção da candidatura. E todos sabemos que há uma enorme distância entre pesquisa nesse formato e eleição para valer. O resultado em São Paulo para João Dória está aí para provar isso.

Mas naqueles áureos tempos, se alguém recebesse uma ligação do presidente Lula, um chamamento, correria a atender. Era um acontecimento, afinal, tirar fotos, mandar para os jornais e colunistas, colocar nas redes sociais e distribuir via assessoria de imprensa. Hoje, essas mesmas figuras fogem do homem.

O mesmo aconteceu com a presidente, (ou seria presidenta?) Dilma Roussef. Mesmo ela tendo um mandato considerado ruim, era comum ver empresários de prestígio ao lado dela em eventos no Palácio do Planalto. Se fosse em tom amistoso e informal, melhor ainda, demonstrava proximidade ainda maior com o poder, amizade com a presidenta. Se é que isso era possível.

De certa forma, essa proximidade abriu muitas portas para os negócios, deu popularidade entre amigos, ajudou na liberação de algum recurso público, deu notoriedade para muita gente. Mas, como já disse, bastou o envolvimento, a nódoa no currículo do político para os “amigos” fugirem todos. Telefones foram deletados e bloqueados, fotos excluídas, vinculações negadas.

O presidente Michel Temer passa pela mesma experiência. Quem o conhece há anos e verdadeiramente é seu amigo sabe que ele é uma pessoa do bem, compenetrada, um grande professor. Portanto, é difícil imaginar que ele tenha caído em tentação e cometido erros que possam arruinar sua carreira política. De todo modo, é preciso também que se diga, o mundo da política é outro mundo. Não é o mundo dos negócios, das relações das empresas com seus empregados, fornecedores e clientes.

Por isso nunca desejei ser político. É preciso em dados momentos fazer concessões, abrir mão de determinados valores e fazer muitas articulações em busca de maioria. É um jogo para poucos, tanto que os grandes nomes políticos da história se firmaram e se notabilizaram exatamente pela capacidade de se moldar a esses modelos ora conspiratórios, ora obscuros, ora cristalinos e nítidos. Acho que a cena política é sempre meio turva, desde a arrecadação de recursos para a eleição. Talvez nesse sentido, de tornar as coisas transparentes, seja oportuna uma ampla reforma política.

Por todas essas razões, prefiro o benefício da dúvida. É preciso ter muito cuidado para fazer julgamentos precipitados. Ninguém jamais saberá se assim estará agindo certo ou errado. Se há uma evidência pura, uma conta bancária por exemplo, um desvio comprovado de dinheiro oriundo de caixa 2 ou de propina, uma operação clara de lavagem de dinheiro, é para acreditar de forma imediata na culpa de alguém. Mas se existe uma nesga de dúvida, melhor conviver com isso que cometer uma injustiça.

Os próprios julgamentos de Curitiba têm demonstrado esse fato. O juiz Sergio Moro por várias vezes inocentou pessoas que à primeira vista todos considerávamos culpados, mas que a falta de provas o levou a absolver. Ou seja, em tempos de caça às bruxas, é preciso agir com cautela, com moderação. Prefiro uma Justiça mais lenta que uma correria que acabe com vidas e reputações e que só satisfaz a internautas sedentos de sangue.

Roberto Duailibi é publicitário, fundador da DPZ Propaganda.







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