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ABRIL EM PARIS
Acadêmico: Eros Roberto Grau
"Cá estou agora --- é abril --- e me dou conta de que, como diz outra canção, não há ontem nem amanhã em Saint-Germain-des-Prés."

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Abril em Paris
Caminho sem nenhuma pressa, flanando pelas ruas de Paris. Passam por mim Ella Fitzgerald e Louis Armstrong, mais adiante Frank Sinatra, cantando aquela canção de Vernon Duke, April in Paris.
Eu jamais sentira o verdadeiro encanto da Primavera até quando flanei pela primeira vez, há mais de cinquenta anos, por estas bandas. A cidade e seus quartiers! Paris multiplicada por si!
Há alguns anos escrevi um livro --- Paris, quartier Saint-Germain-des-Prés ---, em 2015 traduzido e publicado na França sob o título Le flâneur de Saint-Germain-des-Prés. Meu quartier é mais do que a súmula do mundo, sintetiza o lado bom --- somente o lado bom --- da velha Lutèce, Paris !
Cá estou agora --- é abril --- e me dou conta de que, como diz outra canção, não há ontem nem amanhã em Saint-Germain-des-Prés. Aqui há somente o hoje, agora. Praticamos, Tania e eu, o programa de todos os domingos. Flanamos pelo bulevar, caminhamos até a igreja de Saint-Germain, almoçamos no nosso café, o Flore. Logo mais, como de hábito --- todo domingo é assim --- jantaremos na Lipp.
Seria bem fácil, agora que escrevo algumas linhas para o jornal da cidade onde nasci, o Diário de Santa Maria, recolher algum trecho do meu Paris, quartier Saint-Germain-des-Prés e transcrever neste texto. Mas isso não teria sentido, pois Paris é sempre outra. Como se o antes de agora jamais houvesse existido. A luz que neste instante entra pela janela jamais esteve por aqui.
Percorro um trecho do bulevar à procura dos meus amigos clochards. Ian --- deitado na frente da Écume des Pages, por conta de minha barba me chamando de Karl Marx --- e Anton. E Vladimir, guardião da igreja ali adiante. Clochard, em português, é o vagabundo bom caráter da esquina, sem teto e sem trabalho, mas honesto. Certa noite me diz tudo: Anton me alertou para o fato de que, ao tirar do bolso alguns poucos euros para dar-lhe, minha carteira caíra ao chão. Honeste vivere, como se diz em latim, é isso aí!
Ouço, ao longe, Guy Béart cantando Il n’y a plus d’après à Saint-Germain-des-Prés ! Essa canção é tão expressiva, tão linda que não me contenho. Fala por mim, assim : « Se você vive longe de Paris e vier me dizer ‘bom dia’ na esquina da rue du Four, você perceberá que em Saint-Germain-des-Prés não há depois. Não há depois de amanhã, não há depois do meio--dia. Em Saint-Germain-des-Prés não há senão o hoje. Quando eu voltar a te ver, em Saint-Germain-des-Prés, você não será mais você, eu não serei eu. Não há antigamente em Saint-Germain--des-Prés. Você me diz ‘como tudo muda!’. As ruas te parecem estranhas e mesmo os cafés com creme não têm mais o gosto que você ama. É que você é outro. É que eu sou outro. Nós somos estrangeiros em Saint-Germain-des-Prés. Quando eu voltar a te ver em Saint-Germain-des-Prés, você não será mais você, eu não serei eu. O menor dos amores parecia eterno no dia a dia das ruelas de Saint-Germain, mas logo à noite findava. Eis aí a eternidade de Saint-Germain-des-Prés”.
A eternidade é aqui, de verdade. Há mais de cinquenta anos, ao flanar pela primeira vez por estas bandas, eu --- duro, sem dinheiro --- sentia uma vontade danada de jantar na brasserie de todos os nossos domingos, hoje, por aqui.

# destaque:
Não há depois em Saint-Germain-des-Prés

Artigo publicado no Jornal Diário de Santa Maria.




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