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CARTA A UM JOVEM ESCRITOR
Acadêmico: Roberto Duailibi
O acadêmico Roberto Duailibi responde a um jovem que pretende se tornar escritor e dá conselhos válidos para ele e para quem pretende investir na área.

Caro Frederico


Havia uma propaganda antiga de um jeans com um jingle que se tornou clássico. Nele há uma frase que, para mim, representa a essência do seu estilo de escrever. Dizia “A juventude é uma asa, vamos voar”.
Recentemente, revendo a poesia de Ferreira Gullar e algumas entrevistas, ele dizia que não fazia poesia há mais de 10 anos porque para Gullar escrever com qualidade exige espanto. Ou seja, ele é contrário a muitos que entendem a escrita como um dom, como um bafejo do criador sobre determinadas pessoas. Isso define quem escreve e quem não escreve.
Ou seja, estamos diante de um dilema, de pessoas que acham que nasceram com o talento de escrever e que, portanto, acreditam em qualidade aliada a momentos de inspiração e outras que entendem, assim como uma atividade esportiva, que escrever bem é um ato que exige tempo, preparo, maturidade.
Li atentamente seu trabalho. Recebo com regularidade trabalhos de jovens interessados em enveredar pelo caminho das letras e gosto muito disso. Essa sua disposição para a escrita é algo diferente se analisarmos os jovens de hoje, a maioria apegada às curtas mensagens de celulares, ao mundo youtuber, à rapidez com que se disseminam as mensagens. Elas surgem tão fortes e rápidas quanto desaparecem. Há pouco de marcante no mundo atual, é essa a impressão.
Você demonstra a inquietação própria de um jovem afeito ao mundo das letras e da escrita. Isso é bom como início de trabalho, mas exige aprimoramento e lapidação. Fiquei feliz por notar seu vocabulário, próprio de alguém que sempre buscou esses caminhos. Gostei da plasticidade e limpeza dos seus textos, são claros, diretos, fáceis de leitura, condições imprescindíveis para quem quer aventurar-se por esses caminhos.
Na média, gostei muito. Mas pertenço ao lado que acha que escrever é um misto do que a média procrastina: acho que escrever requer jeito, dom, inspiração, mas é algo que pode ser elaborado, aprimorado, melhorado.
Se você seguir apenas escrevendo, fará uma obra aceitável, média e ponto final. Se você seguir escrevendo e estudando, lendo, buscando conhecer estilos novos, formas de escrever, certamente terá um universo para crescer.
Leia sempre Machado, Graciliano, Guimarães Rosa, mas leia também Rubem Fonseca, Millôr, Salim Miguel, Milton Hatoun, pois ninguém se consagrou apenas por se dedicar só a um estilo. Leia sempre com a preocupação de ver as formas como o autor se expressa. Se usa escrever na primeira pessoa, se usa figuras de linguagem, que tempo verbal emprega. Tudo isso irá lhe mostrar caminhos novos e certamente tudo isso fará parte de sua formação e evolução. Agora, em termos de conselho pessoal: escreva todos os dias pelo menos 5 laudas, não importa o que você escreva. Fique amigo do teclado e da tela. Use as primeiras horas da manhã para escrever mas nunca deixe de fazê-lo. Escreva, escreva, escreva.
Ainda em termos pessoais, aprofunde-se em sua própria origem. Você tem um sobrenome armênio e revela admiração por seu avô. Não sei se ele próprio era armênio, mas a história antiga e contemporânea desse povo é muito rica em inspiração e exemplos de resiliência. A própria história da imigração para o Brasil e a penetração pelo interior mais remoto do Brasil é impressionante. Veja os exemplos de Milton Hatoun e Raduan Nassar e de tantos outros autores de origem portuguesa, italiana, espanhola, alemã, polonesa. Sua família ou sua aldeia é o primeiro foco de inspiração e criação de uma personalidade autoral.
Espero que você jamais perca essa vontade e, assim como Gullar, se espante muito pela vida.



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