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Acadêmico: Ives Gandra da Silva Martins "Por esta razão, o exame das propostas do “parquet” necessita ser realizado com cautela e paralelamente ao projeto de lei de 2009, que visa punir abusos de autoridades que, no afã de obter provas, ultrapassam os limites das garantias individuais do cidadão."
Pessoalmente, não tenho dúvidas de que a operação Lava Jato representou um marco na história política brasileira. Alguns aspectos do prolongado processo restaram evidentes e foram, indiscutivelmente, positivos no estabelecer um novo padrão moral de comportamento para os futuros políticos nacionais. Permitiu à sociedade tomar conhecimento de que a corrupção tolerada como forma de manutenção do poder é chaga que deve, pelo menos, ser reduzida às suas mínimas proporções. Como demonstrei no meu livro “Uma breve teoria do poder”, o exercício do poder está sempre infiltrado por corrupção endêmica, em todos os períodos históricos e espaços geográficos, cabendo ao povo, nas verdadeiras democracias, seu combate através de agentes não contaminados dos governos, sob pressão da opinião pública. Neste particular, o Juiz Sérgio Moro, a Polícia Federal e o Ministério Público, no episódio que desventrou a podridão dos porões de Brasília, estão de parabéns. Nem por isto se pode aplaudir tudo o que propõem. As chamadas “10 medidas de combate à corrupção” - algumas boas e outras nitidamente de perfil autoritário - precisam ser examinadas com cautela pelo Congresso. Provas ilícitas tornam quem as obtenha também um criminoso. Não há boa fé possível na sua obtenção, até por que, cabendo o ônus da prova ao acusado, este nunca conseguirá provar má-fé. Li o artigo do bom amigo e brilhante jurista Fábio Medina Osório, neste jornal, em que se refere a situações em que a prova obtida não é ilícita, como, de resto, ocorreu em gravação, no período em que a jurisdição do caso estava ainda em 1ª. instância, envolvendo a Presidente Dilma. O problema é que, no projeto, não há pormenorização das hipóteses. Criação de “órgãos corruptores” para aferir o nível de moralidade dos funcionários, a fim de condená-los, não passa de expediente próprio das ditaduras, em seus serviços secretos. Medidas como esse devem ser rejeitadas de plano. Espero que o Congresso, consciente da relevância da Polícia Federal e do Ministério Público, entenda que o direito de defesa numa democracia é o grande diferencial das ditaduras, onde inexiste. Tais instituições não estão acima das demais e, apesar de relevantes, devem atuar nos limites da Constituição e dos demais organismos vinculados à Justiça. Por esta razão, o exame das propostas do “parquet” necessita ser realizado com cautela e paralelamente ao projeto de lei de 2009, que visa punir abusos de autoridades que, no afã de obter provas, ultrapassam os limites das garantias individuais do cidadão. É, pois, um bom momento para a sociedade posicionar-se e procurar o justo equilíbrio entre a luta contra corrupção e os direitos da cidadania, no regime democrático. Por melhor que seja, nenhuma autoridade pode estar acima da lei. Deve também ser punida, sempre que abusar do “status” privilegiado que possui. Por esta razão, espero que o Congresso Nacional, que representa 200 milhões de brasileiros, seja da situação, seja da oposição, discuta com serenidade todos os pontos das duas propostas, objetivando-se, dentro da lei e, principalmente, da Constituição, buscar instrumentos para punir a corrupção, sem que haja qualquer abuso de autoridade e sem que se outorgue a qualquer instituição o direito de se tornar o Supremo Poder da República. Uma democracia só se torna forte quando o povo discute amplamente com os poderes as leis que deseja, quando estas leis, para serem cumpridas, sejam claras e quando o poder controle o poder, visto que, como dizia Montesquieu, o homem não é “confiável” no poder. voltar |
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