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Acadêmico: Roberto Duailibi Ao percorrer o país como mascates, eram “os turcos” os primeiros a disseminar notícias e cultura; assim passaram a influenciar o Brasil por meio de políticos.
A despeito das múltiplas origens e histórias pessoais, éramos sempre chamados de “Os Turcos”. Os descendentes de sírios e libaneses, boa parte caixeiros viajantes, vendiam tecidos, sapatos, roupas e centenas de outros produtos em lombo de burro, viajando de lugarejo em lugarejo, agindo como integradores do Brasil do passado. Eram os arautos das boas e más notícias, disseminadores das novidades, da cultura e da própria história. Eles davam conta de fatos como a Revolução de 30, a Coluna Prestes, as informações de um Brasil ainda com deficiente comunicação. Suas bases eram suas famílias, vivendo em vilas ou cidades ainda pouco desenvolvidas. Foi assim a origem de famílias inteiras que passaram mais tarde a influenciar o Brasil e a América Latina por meio de políticos atuantes, homens e mulheres surgidos desse universo. Hoje, muitos deles exercem papel fundamental no poder e na gestão dos povos latinos, entre eles Michel Temer, que alçou o mais alto posto político no Brasil, o de presidente da República. Michel Miguel Elias Temer Lulia nasceu em Tietê, no Estado de São Paulo, em 1940. Filho de imigrantes libaneses que chegaram ao Brasil na década de 1920, em 1963 graduou-se em direito pela Universidade de São Paulo (USP), onde atuou ativamente na política estudantil. Já ali demonstrava seu pendor para a política, que exerceu em vários momentos da história recente, até chegar à Presidência. Mas há tempos esse papel político e jeito de influenciar a cultura e os hábitos dos brasileiros veio sendo construído por vários outros sobrenomes de origem árabe. Do personagem Nacib, no romance “Gabriela, Cravo e Canela”, de Jorge Amado, vem a imagem de um comerciante de vila, que vendia um pouco de tudo. Nele se mostra talvez a síntese do papel desses imigrantes e também o início da mistura de raças, a partir do romance com Gabriela. A miscigenação tratou de formar o brasileiro de hoje, assim, misturado, cheio de influências diversas, africana, portuguesa, francesa, holandesa, espanhola, japonesa e, sim, árabe, representada pela participação historicamente cada vez maior “dos turcos”. Como os mediterrâneos sempre foram muito políticos, para o bem ou para o mal, temos assim um rol de sobrenomes fazendo parte, de nossa história nesse campo, desde os mais velhos até os atuais e que ainda darão muitos motivos para novos artigos sobre suas influências no desenrolar da formação de nossa política e do nosso desenvolvimento. Izar, Maluf, Chaui, Tabet, Buzaid, Abi Akel, Eluf, Damous, Murad, Saad, Haddad, Mutran. No mundo latino temos nomes como Said Musa (Belize), Edward Seaga (Jamaica) e muitos chefes de Estado, como Carlos Menem (Argentina), Abdalá Bucaram e Jamil Mahuad (do Equador) Julio Cesar Turbay Ayala (Colômbia), Jacobo Majluta e Salvador Jorge Blanco (da República Dominicana), Antônio Saca (El Salvador) ou o presidente da Assembleia da Venezuela, Henry Ramos Allup. Sem falar na influência financeira de um Carlos Slim, que por seu talento e criatividade tornou-se um dos homens mais ricos e influentes do mundo, ou o acreano Carlos Ghosn, na indústria automobilística francesa e japonesa. No jornalismo, David Nasser, Ibrahim Sued, Miguel Jorge, Luiz Nassif, Juca Kfouri, Ricardo Gandour, Julia Duailibi, são alguns nomes entre milhares de outros. Além dos já citados no âmbito Brasil, há nomes destacados e que estão sempre em evidência na moderna história política brasileira, como o influente governador Geraldo Alckmin, que já foi candidato às eleições presidenciais; Gabriel Chalita, sempre em destaque nesse campo; Fernando Haddad, prefeito de São Paulo; Jatene, no Pará, Fernando Gabeira, deputado e várias vezes candidato a cargos majoritários; Paulo Souto, que foi governador do Estado da Bahia; Rosinha Matheus, ex-governadora do Rio. Há em torno de 140 parlamentares brasileiros de origem sírio-libanesa que, juntos, constituem um quarto dos senadores e deputados. Como diz o escritor Milton Hatoum, “de resto, arte e política são os dois âmbitos nos quais os árabes estão mais presentes”. Ele, que nasceu em Manaus, tornou-se paulista de adoção de pai libanês e mãe brasileira e é sem dúvida um dos maiores escritores e pensadores modernos do Brasil, juntamente com Mario Chamie, Emil Farah, Raduan Nassar, Salim Miguel, Jorge Mussa e Gabriel Chalita. Especificamente, a imigração libanesa no Brasil teve início por volta de 1880, quatro anos depois da visita de Pedro II ao Líbano. Por isso os historiadores acreditam que a presença dos sírios e libaneses no Brasil remonta à época colonial, até pelo fato de Portugal manter boas relações comerciais com a Síria. A grande maioria veio para o Brasil por falta de perspectiva local, fugindo da opressão turco-otomano que se impunha através de restrições à liberdade e pela excessiva carga tributária. O Brasil representava a possibilidade de progresso pessoal, já que estava aberto aos povos que desejavam trabalhar. Era o cenário perfeito para libertários, caixeiros viajantes, para o estabelecimento de pequenas indústrias e comércios que dariam a base econômica para a formação educacional e profissional de seus filhos e da própria economia brasileira. De porta em porta, todos podiam se arriscar como vendedores, todos tinham sua chance de prosperar, havia um cenário de paz e de chance pessoal de sucesso. Tornou-se cada vez mais comum se ouvir palavras como “batrício”, já que pronunciar o B era mais simples que o P, um fonema que inexiste em árabe. “Brimos” eram todos. No censo de 1940, que foi a última vez em que se perguntou para os habitantes do Brasil sobre suas ancestralidades, 107 mil brasileiros disseram serem filhos de pai sírio, libanês. Árabes natos eram 46.105 e os naturalizados brasileiros 5.447. O Brasil tinha então pouco mais de 41 milhões de habitantes. Segundo o Itamaraty, há entre 7 e 10 milhões que descendem de árabes, mas informalmente estima-se que os cidadãos brasileiros dessa origem sejam mais de 12 milhões. Isso explica em muito a grande influência na política, embora não exista um voto étnico. Apenas de libaneses, há no Brasil cerca de 7 milhões de pessoas, acredita a escritora Dad Squarise, que nasceu em Beirute e foi obrigada a imigrar para Brasília em 1968, por causa das atividades políticas de seu pai. Depois estão os sírios, 4 milhões, e os palestinos, de mais recente imigração e é bem menor a presença de brasileiros de origem egípcia, marroquina, jordaniana e iraquiana. A maioria se estabeleceu no Estado de São Paulo e nos Estados do Sul. Um grande número se espalhou pelos estados do Norte, Nordeste e Centro Oeste. Na realidade, hoje, a maior parte da população libanesa mora no Brasil. Felizmente, num clima de liberdade, não trouxeram o sectarismo que, infelizmente até hoje, os separa no Oriente Médio. Artigo publicado na Revista Carta do Líbano *Roberto Duailibi é publicitário e membro da Academia Paulista de Letras voltar |
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