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Acadêmico: Walcyr Carrasco Casamentos não são mais feitos para durar. Insatisfações do cotidiano tornam-se fardos insuportáveis
Casais que duram a vida inteira são tão raros como zebras. Existem, mas são admirados como bichos no zoológico. Imagine, completaram 30 anos de casados! Os amigos, filhos, parentes aplaudem e tentam entender. Como se suportaram tanto tempo? Nunca falta quem faça uma lista de defeitos dos cônjuges. Mas também aguentar aquele velho chato a vida toda! Ela manda nele, é insuportável. Dor de cotovelo. Poucos conseguem manter uma relação durante tanto tempo. Mais complexo, há um consenso de que a separação é algo bom. Muitos filhos, inclusive, estimulam as mães a separar-se. Conheci um rapaz que fortaleceu as divergências entre mãe e pai. Depois da separação, o pai se recusou a dar pensão. Sobrou para ele, que trabalha que nem doido como comissário de bordo. A mãe faz o que pode, mas era dona de casa em tempo integral. É muito bom, ela está numa nova fase. Exatamente. Uma fase solitária. O filho voa de um lado para o outro, namora. Ela, à espera. Mas o rapaz anda insatisfeito: Agora que tenho de segurar as pontas da minha mãe, não posso casar! Casamentos não mais são feitos para durar. Às vezes, nem dá tempo de os dois abrirem os presentes. Um casal de atores casou-se apaixonado. Na volta da lua de mel, ele se separou no aeroporto. Já estava com outra. Pequenas insatisfações do cotidiano, que no passado seriam absorvidas em nome da família, dos filhos, tornam-se fardos insuportáveis. Juro, é verdade: um conhecido sempre jogava a toalha molhada em cima da cama, ao sair do banho. Ela reclamava. Ele jogava. A toalha tornou-se motivo de disputa e tortura psicológica. Ela se separou antes de um ano de casada. Um rapaz namorou cinco anos com uma garota. Durante esse tempo, fumava e jogava baralho. Assim que se casou, ela passou a reclamar do cigarro. Ele parou. Em seguida, ela atacou o baralho. Ele deixou o grupo. Também parou de jogar futebol. Chegou a vez da sogra: ela não suportava. Depois dos cinco anos de amizade no namoro, as duas viviam um inferno. Ele se afastou da mãe. A mulher passou a reclamar da situação financeira. Ele arrumou outro trabalho. Cumpria dois períodos. Ela se separou: Você não me dá mais atenção. Vive na rua. O marido de uma secretária que conheço perdeu o emprego. Aos 50 anos, é difícil arrumar outro. Ela manteve a casa. Ele montou uma van de hot dog. Não deu certo. Impossível segurar a família. Ela o atacou. Como se a culpa não fosse dele, da idade, da crise. Foi para a casa da mãe com as filhas. Mas a sogra não queria saber do genro. A última notícia que tive: ele foi morar na rua. O sonho de uma garota de Brasília era casar com um diplomata. Bastava pertencer ao Itamaraty, ela se interessava. Achou um. Seis meses de namoro, casaram-se. Não deu um ano e meio, separaram-se. O argumento da moça. Ele viaja demais. Mas não era diplomata? Há homens que casam com uma garota de 20. Tudo é felicidade. Quando ela começa a amadurecer, separam-se. Ele arruma outra, de 20. E depois... é tudo igual. Suas ex-mulheres formam uma escadinha de idades, frequentemente com o mesmo tipo físico. É uma época de impaciência para com o outro. O amor é volátil, como um líquido que evapora ao contato com o casamento. Tanto que, nas plantas de apartamentos de luxo, vem a grande opção: um banheiro para cada um. Já ouvi de uma amiga: Eu não conseguiria continuar casada se tivéssemos o mesmo banheiro. Que amor é esse, que depende do banheiro? Todo relacionamento vive impaciências. Dificuldades. Pequenas chatices do dia a dia no passado seriam relevadas. Quando alguém se casava, queria que fosse para sempre. Atualmente, parece até que se separar é mais importante que casar. As pessoas acreditam que estão entrando numa nova fase, para preencher o vazio interior. Entram em cursos, buscam novos grupos de amigos. Mulheres mudam o penteado, homens correm para perder a barriga. E depois encontram alguém parecido com quem já tinham, pois a mudança foi somente exterior. Unem-se e, dali a pouco, a rixa recomeça. A grande questão é que, para amar o outro, é preciso amar a si mesmo. Está difícil, em tempos tão contraditórios. Cada vez que alguém se separa e encontra outra pessoa, não é uma renovação em si. Mas o produto de uma insatisfação interior que não será resolvida pelo par. Resultado: ao primeiro deslize, a separação. Tem muito marido que já perdeu a mulher porque se esquecia de abaixar a tampa do vaso. (Publicado na Revista Época) voltar |
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