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PERVERSO RETROCESSO
Acadêmico: José Renato Nalini
Não passa pela cabeça dos governantes que a floresta em pé constitui o maior patrimônio brasileiros.

Perverso retrocesso

Há meio século, fez sucesso o filme “Amargo Pesadelo” (Deliverance), de John Booman, estrelado por John Voight e Burt Reynolds. O nome do filme exprime, à exação, a situação do Brasil de hoje. Um amargo pesadelo que deveria levar o povo às ruas, tivesse ele merecido a educação de qualidade que nunca veio.

O maior perigo que ronda a humanidade não é o confronto entre hegemonias estatais. Nem o domínio exercido por grandes conglomerados empresariais apátridas, cujo deus é o dinheiro. Faz parte do pesadelo a omissão das elites, a profissionalização torpe da política, a servir sempre aos mesmos, imbuídos da “aura sacra fames”. Tudo por dinheiro!

Mais sério e mais grave do que tudo isso é a destruição do planeta. Deliberada e conscientemente, os dendroclastas continuam a depredar. A substituir por desertos a cobertura vegetal que a Terra levou milênios para oferecer ao bicho-homem.

A crescente devastação do verde tupiniquim é um fato comprovado pela ciência e pela tecnologia e conta com o beneplácito até das autoridades pagas pelo povo para defender seus interesses.

Há um orquestrado movimento voltado à desarticulação de toda a estrutura tutelar edificada ao longo de décadas de saudável conscientização ecológica. Além do desmanche de organismos criados para a defesa do ambiente, há casos emblemáticos levados à Justiça, que deveria ser a fiadora da proteção da natureza, por força de adequada leitura do artigo 225 da Carta Ecológica.

Um deles é a tentativa – ainda em curso – de anulação do decreto de criação do Parque Estadual “Cristalino 2”, que existe há mais de vinte anos. É um parque de proteção integral, situado na divisa de Mato Grosso com o Pará, campeão da devastação. É uma área de transição entre savana e floresta amazônica e a ciência determinou sua criação, com a finalidade de assegurar “recursos bióticos, abióticos e paisagísticos das áreas de floresta primárias, corredeiras, cachoeiras e sítios arqueológicos”, de acordo com o que consta do decreto criador do Parque.

Em 2011, dez anos depois de sua criação legal, a Sociedade Comercial e Agropecuária Triângulo ingressou em juízo pleiteando o desfazimento do ato, pois o parque estaria situado sobre áreas privadas de seu domínio. Sabe-se como funciona a regularização fundiária nessas áreas. Não é o rigor técnico já comprovadamente eficiente no sudeste. Os Estados do norte costumam sobrepor registros, havendo vários “andares” de propriedades coincidentes, todas registradas, sobre a mesma área. Tal situação legitima os detratores da ecologia que pretendem provar que existe mais área verde intocada no Brasil do que o seu território. É a partir de esquemas como esse. Ainda recentemente, noticiou-se a “outorga” de títulos sem qualquer formalidade, tudo para incentivar a ocupação insensata da floresta, para produzir grãos que vão alimentar o gado estrangeiro.

Não passa pela cabeça dos governantes que a floresta em pé constitui o maior patrimônio brasileiros. O Brasil teria tudo para receber a maior parte dos trilhões de dólares disponíveis para o urgente projeto de descarbonização do planeta. É uma questão de salvação da vida sobre a Terra. Não é modismo, nem mania dos ecofundamentalistas, como dizem os dendroclastas.

O pior é que a Justiça, em lugar de proteger o ambiente, julga as lides ecológicas à luz da cultura das demandas interindividuais. Não se lembra – ou não quer se lembrar – de que as vítimas do crime ecológico são as futuras gerações. Por isso é que a Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo do TJMT anulou a criação do Parque. O argumento foi a falta de consulta pública. Dois desembargadores se opuseram: merecem o aplauso do Brasil: Luiz Carlos da Costa e Maria Erotides Kneip. A sorte – ou teria sido a Providência divina? – foi que não se intimou o MP. Em regra, a Instituição continua a ser a única defensora da natureza tupiniquim.

Há outras ameaças em curso. O Parque Estadual Serra de Santa Bárbara, criado em 1997, também é alvo de ação de anulação pela mesma causa. Isso o que corre na Justiça. Mas na prática, a terra sem lei em que se converteu o Brasil permite que a turba estimulada pelo desgoverno atue com violência, na grilagem, na expulsão da população nativa, na invasão de demarcações indígenas, tudo com o beneplácito dos amigos do “progresso”.

É o amargo pesadelo brasileiro, a evidenciar perverso retrocesso na tutela de nossa maior riqueza. Não há refil para a floresta devastada.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 23 09 2022



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