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POUCA E POLUÍDA
Acadêmico: José Renato Nalini
O que fará a população quando não dispuser de água para beber? É coisa muito séria.

Pouca e poluída


O planeta em que habitamos, por enquanto o único suscetível de nos conceder condições existenciais, dever-se-ia chamar "Água" em vez de Terra. É que três quartas-partes dele são constituídas desse líquido essencial à nossa vida e ao qual devotamos um tratamento miserável.

Apesar dessa quantidade do precioso líquido, cerca de 97 dele corresponde aos oceanos. Água salgada não se bebe. O que sobra, infelizmente, não autoriza tranquilidade por parte de quem precisa de água para sobreviver. Somos imundos: descartamos tudo o que não nos serve mais em cursos d'água. O exemplo do Rio Tietê é emblemático.

Aqueles que, ufanistas, invocam o Aquífero Guarani por acaso desconhecem que ele também está comprometido?

Quando São Paulo enfrentou crise hídrica, entre 2014 e 2015, intensificou-se a abertura de poços artesianos. E isso fez com que a CETESB - Companhia Ambiental de São Paulo registrasse uma alta em aquíferos contaminados: de 5.148 para 6.585, o que representa quase 30 a mais.

Isso decorre de múltiplas causas: falhas na escavação e manutenção dos poços, vazamentos em rede de esgoto, reservatórios de postos de combustíveis, rejeitos industriais e outras formas de contaminação.

Verdade que a abertura de poços artesianos depende de autorização do DAEE - Departamento de Águas e Energia Elétrica. A cada ano, cerca de seis mil autorizações são concedidas. Mas é evidente que esse cálculo não coincide com os dados do Serviço Geológico Nacional, que aponta a existência de apenas 35.384 registros no Estado.

Bauru e Araraquara dependem dos poços artesianos. Mais de 70 da água que abastece a rede pública vem do subsolo. Na década de 2010, esse percentual era de 30, o que evidencia o agravamento da situação. Para a capital, cerca de 18 do consumo advém de águas subterrâneas e quando há estiagem, o uso chega a 25.

Ocorre que mais de 60 dos postos da região metropolitana são irregulares, de acordo com o Centro de Pesquisa de Águas Subterrâneas - CEPAS da USP. O DAEE não tem conhecimento dos poços clandestinos. Descobre-se a contaminação a partir de denúncias ou autodeclarações dos responsáveis, que têm a obrigação legal de prestar contas anuais.

Não há condições materiais para a companhia monitorar todos os poços e descobrir a contaminação ex-ofício. Ela dispõe de vinte e quatro geólogos e cento e sessenta e oito técnicos, para os mais de trinta e cinco mil poços declarados. Sem contar os clandestinos.

O grau de contaminação também varia em gravidade. Dois casos críticos estão na capital: na Cohab da Vila Cachoeirinha, Zona Norte e Heliópolis, na Zona Sul. São contaminações que derivam de ocupação urbana descontrolada. Em Heliópolis havia aterro sanitário ilegal, além de distribuidoras de combustível. A área se contaminou pela degradação de rejeitos e vazamento de derivados de petróleo durante várias décadas.

Os poluentes mais ativos e perigosos são os combustíveis e solventes automotivos. Quando constata a contaminação, a CETESB impõe restrições de uso e impõe técnicas de remediação, como o tratamento químico com flúor. A obrigação de mitigar é do responsável pelo poço. Quando ele se omite, o governo se encarrega da operação, fazendo-o com recursos do Fundo Estadual para Prevenção e Recuperação de Áreas Contaminadas.

É muito frequente que os poços artesianos também apresentem moléculas de nitrato, um poluente resultante do lançamento de esgoto e fertilizantes utilizados para a agricultura. Isso é nocivo para a saúde.

O critério de potabilidade da água é fixado pelo Ministério da Saúde e o máximo de nitrato que se admite é o de 10 mg por litro de água. Já têm sido detectados índices superiores a 12 mg, o que é verdadeiramente nefasto. Pois a substância aumenta a incidência de câncer no trato digestivo e impulsiona a proliferação de outras bactérias prejudiciais à saúde.

Um país como o nosso, de prolífica edição normativa, tem lei para gerir, idealmente, a utilização da água por parte da população. Só que os deveres legais nem sempre são observados, sob o argumento esfarrapado da "reserva do possível". Não há dinheiro para tudo. Embora não falte para orçamento secreto e para alimentar "Fundões" Eleitoral e Partidário.

O que fará a população quando não dispuser de água para beber? É coisa muito séria. Por isso é que os expertos dizem que a guerra no século 21 não será por causa do petróleo. Será uma guerra pela água.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão/Opinião
Em 18 12 2022



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